sexta-feira, 6 de abril de 2007

Encontrei Isto.

Lágrimas à porta de prédios de cor cinza industrial:
editorial do jornal Vinte e três
na vanguarda do atraso


O lado (xoladox@.sapo.pt)
14 de Janeiro de 2007

[ o editorialista do Vinte e três ] diz-nos que enquanto houver manifestações de amor puro nas cidades, assuntos polémicos como o aborto ou, até mesmo, a pesca da lampreia são facilmente ignorados.
"Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo."
Eram duas horas da tarde, ela já estava pronta. Inicialmente ela não tomava café, depois ele fez da bica um ritual de sonhos utópicos, tais como contratos pré-nupciais. O corpo dela não pedia cafeína, mas, sim, a companhia do seu mais-que-tudo. Tinha que esperar. E é tão chato esperar quando se ama, quando se quer tudo tão rápido, tão certo. E ela sabia que tinha de esperar. Tinham combinado estudar até às cinco da tarde, sim, porque os amantes, por vezes, fazem-se de racionais e dizem: “Primeiro as obrigações.”
Para queimar tempo, decidiu ir ao shopping. Ela bem queria ser contaminada pela epidemia gerada pelo consumo da época dos saldos, mas os seus glóbulos brancos resistiam ao vírus persistente. Então, cansada dos movimentos frenéticos das pessoas que felizes compravam t-shirts a 5, 99€, foi até ao clube. Sentada ficou menos de uma hora nas escadinhas de pedra que lhe gelavam as pernas. Para ela, aquela “menos de uma hora” era uma eternidade que não se encurtava por nada. Telefonou-lhe, desesperada, e passou-se da cabeça. Ela é mesmo assim, impulsiva e incoerente nas merdinhas insignificantes que os fazem entrar logo em diálogo “indialogável”. “Opá, deixa-me!”, “Cala-te!”, “ Estás-te a ouvir?” e “O que é que te falta?” são alguns dos versos da poesia dicotómica deles: amar / amar.
Entretanto, ele mais calmo e sensato do que ela não hesita em apanhar o autocarro e vem ter com ela. Ele é sempre mais carinhoso que ela. Ele é sempre mais chato que ela. Ele é sempre mais tudo. Pouco percebem de Física e, por isso, vêem os atritos como forças atractivas e coesivas manipuladas por uma força superior, que desconfio que seja de natureza poética: a Saudade. Amam-se muito. Ambos sabem isso.
Choram e choram. Aquele chorar de criança que deixou cair o gelado no chão, é o choro que reproduzem. É rídiculo e apaixonante. Depois abraçam-se e desabraçam-se. Ranhosos e de cara irreconhecível trocam festinhas de amor. E o mais bonito de tudo é que se protegem dos intrusos que decidiram passar na rua, naquele preciso lugar onde o trovão da paixão impôs-se à serenidade das 6 horas de um domingo santo.
Ela sempre achou que o amor é uma doença e nele julga ter a sua cura. Ele não discorda e acredita que é uma doença crónica pelos sintomas que sente por ela. Tomara que estejam certos, porque conheço bem de perto estas duas personagens.

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