terça-feira, 23 de outubro de 2007

Texto pictórico.

Há qualquer coisa de leve na tua mão. Qualquer coisa que aquece o coração. Há qualquer coisa quente quando estás. Qualquer coisa que prende e nos desfaz. E Two Days in Paris desfez-nos em gotas de mar salgado. Foi ali, depois de tantos naufrágios em mares distantes, que percebi que aquela miúda loira, desequilibrada e francesa nos queria dizer alguma coisa. We let her sing us a waltz. "Sou parecida com ela?" "Não." "Eu acho, tanto." E não dissemos mais nada. Eu acho-me mesmo parecida com ela. Talvez ela seja a minha pessoa em dimensão hiperbólica. Não sei. Ela faz o que faço. Ela passa-se como eu. Ela tem a mesma sensibilidade que eu. Very French, very me. Não sei, repito. Mas ela tem o dom da retórica que eu não tenho. Ela é mais sensata depois de causar todas as perturbações à sua volta, ambas estamos geneticamente progamadas para isso, para o caos. Ela depois de uma Guerra de Cem Anos é capaz de discursar pacificamente e persuadir quem a ouve. Eu não. Sou péssima em oratória. Quantas batalhas já perdi contigo por não saber expressar aquilo que me faz tremer? Admiro-a no sentido de ter o conhecimento de se materializar em palavras e terminar com um breve ponto final. Eu não. Eu sou uma suspensão, acabo em reticiências. No entanto, sou previsível. O filme não é fascinante, mas é excelente. Só pela simples coisa: Serendipity. Paris é Lisboa. Lisboa sou eu. Há qualquer coisa na luz de Lisboa que nos faz ficar. Despimo-nos de máscaras e deixamo-nos queimar pelos raios do anonimato. E é tão bom fazer UUU e ouvir-se eco num autocarro amarelo. Não se sente vergonha, está-se de postura claramente descontraída na capital. O Bairro Alto e aquele espaço branco que combina livros antigos com cavalos de baloiço. E o homem velhote que foi responsável pelo guarda-roupa do filme Laranja Mecânica? É demasiado grande, demasiado pequena. Quando chego à terrinha, tudo me é familiar: a estação rodoviária, as lancheiras quentinhas do LanXeirão, a frutaria que fecha só às 20:30. É-me familiar pelo número de vezes que já frequentei esses espaços. Por outro lado, em Lisboa nada me deixa de ser familiar porque aquilo que vejo é aquilo com que sonho. Tanto toco, sinto, vejo e choro nos sonhos como na realidade. As sensações permanecem. "É Medicina, é por baixo, é por cima, é a malta mais potente. É a malta do caralho, é quem tem maior vergalho, é quem fode toda a gente!" Esta é a poesia possível do meu curso. Uma pessoa até acha piada a este tipo de rima fácil-ordinária, mas facilmente se cansa também. Queria já fazer o juramento de Hipócrates e dedicar-me ao ofício, ao sacerdócio. Hei-de ser uma boa médica e tratar com dignidade os doentes. Ah, atenção: não disse pacientes nem utentes, disse doentes. Não quero ser técnica de saúde. Vês? Já estou com discurso à Santana. Engraçado. Quero dar assistência médica e dançar. Quero conciliar estas prioridades. Sempre consegui fazê-lo e não é pela exigência do curso ou pela vasta área da cidade que vou deixar de conseguir. Para semana, começo. E tu, esse Scheme? É fixe? Bugg. Double g? Não sei nada disso. Temos que nos ajudar um ao outro e namorar para sermos felizes, não para sofrermos. Isso é uma estupidez. As crises de défice de atenção são ridículas, "estar a rachar lenha" é desnecessário, o ciúme vingativo é pior que fumar. Quero que saibas que não gosto de brincar aos namorados, gosto do género dramático em palcos de teatro, não nas nossas ruas. Vamos crescer. Vamos dividir tempos em ecopontos. Precisamos de nos renovar, reutilizar, reciclar. Somos tão novos e já temos muitas rugas de expressão. Sabias que a largura máxima de um veículo é 2,55 metros?

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